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A Dicotomia dos Fundos de Investimento e do Produtor Rural

A Dicotomia dos Fundos de Investimento e do Produtor Rural

No âmago do Sistema Financeiro, residem os Fundos de Investimentos denominados FIDC-NP, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados, que são nada mais do que uma modalidade de fundos, cuja a carteira é formada, em parte ou na totalidade, por títulos de crédito e direitos creditórios inadimplidos, portanto com grande risco de liquidez e que são adquiridos e ofertados pelo mercado financeiro e pelos demais mercados de recebíveis.

Esses recebíveis são denominados de “Distressed Assets” (ativos estressados ou podres). Habitualmente, os Bancos, que deram origem a esses ativos, têm relações com empresas, cujas as atividades estão vinculadas ao CNAE 829100 = Atividades de Cobrança e Informações Cadastrais. Essas empresas, como o próprio CNAE informa, absorvem a demanda de inadimplência dos bancos, deixando-os com os níveis de inadimplência em patamares baixos.

Após determinado tempo, frustradas as tentativas de recuperação do crédito, essas empresas de cobrança ou os próprios bancos, passam a ofertar tais títulos de crédito, no mercado financeiro, na forma de “Distressed Assets”, que é o papel comprado pelos FIDC-NP. Então, inicia-se uma dança constante e acelerada pela busca da liquidação desses ativos. Por sua vez, as fornalhas dos FIDC-NP são alimentadas por milhões e bilhões de reais ou de dólares de investidores ansiosos por elevadas remunerações, pois, como sabemos, sem esses valiosos recursos financeiros não existiria a figura do FIDC-NP.

Os investidores dos FIDC-NP são "pessoas", físicas ou jurídicas, com recursos abundantes, que apostam, especulam e se dispõem a arriscar o seu capital ou a sua rentabilidade, investindo em carteiras formadas por operações financeiras vencidas e inadimplidas. Para o administrador do fundo FIDC-NP, a regra do jogo é: “conseguir” adquirir o ativo com o maior deságio possível e, posteriormente, pressionar o devedor para o adimplemento do crédito.

Esse devedor poderá ser esmagado pelo FIDC-NP, reciclado, fulminado, eliminado do jogo, como na série de sucesso Round 6, ou, se conseguir, sobreviverá e jogará de acordo com as regras e com as exigências do FIDC-NP. De outra sorte, o administrador do FIDC-NP acompanha o andamento do jogo, coloca as suas peças para correr com o objetivo de "desestressar" o ativo até a sua liquidação.

O FIDC-NP possui boas empresas de advocacia; administradores experientes; auditoria; contabilidade; informações; custodiantes; estrutura administrativa e de controles internos; bancos liquidantes e muitos recursos financeiros. Porém, ele possui um tempo de duração e precisa cumprir suas obrigações de acordo com os prazos instituídos na sua origem de formação.

É uma grande corrida, que na ponta final, recai, elaboradamente, sobre o devedor do ativo. No mundo pré-COVID, a "mira" da grande maioria dos FIDC–NP estava concentrada na aquisição de ativos imobiliários e mobiliários urbanos, empresariais, creditórios federais e estaduais, títulos de multinacionais, dentre outros de menores valores. Contudo, durante o COVID, os FIDC-NP começaram a apontar seus investimentos para os setores do agronegócio, principalmente, as operações de crédito rural existentes no mercado.

Essas operações de crédito rural possuem como objeto recursos financeiros que são destinados à produção agrícola, através do apoio do Governo Federal, que institui políticas sociais de fomento à agricultura.

Esses recursos são oriundos de determinações do Conselho Monetário Nacional, determinações essas que são publicadas e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil. Tais recursos financeiros, originários de Fundos Constitucionais, por exemplo, são repassados às Instituições Bancárias, que são filiadas ao Sistema Nacional de Crédito Rural. Esses bancos, melhores qualificados como agentes financeiros, têm por obrigação legal, distribuir esses recursos dos fundos constitucionais para produtores rurais, conforme determina o Manual de Crédito Rural - MCR, mediante a aplicação de normas de liberação pertinentes a cada tipo de recurso, sejam eles de custeio, de investimento, de armazenagem, de equipamentos, etc. Conforme referi, na minha última publicação, "O Conceito do Agronegócio".

À vista disso, esses ativos também viraram alvo dos FIDC-NP, agora, com muito mais apetite, do que durante o advento da pandemia. A pandemia nos mostrou que o agronegócio é capaz de sobreviver a uma crise mundial, por uma razão óbvia, precisamos de alimentos. Porém, esses ativos cedidos para os FIDC-NP possuem algumas peculiaridades: a) apresentam seus recursos financeiros originários de políticas sociais – fundos constitucionais; b) possuem garantias muitas vezes superiores ao valor do ativo; c) têm liquidação complexa; d) contam com tratamento legal diferenciado; e) e estão adstritos ao Manual de Crédito Rural.

A discussão, que vem sendo travada entre produtores rurais e FIDC-NP, consiste em dois pontos, que demandam extrema cautela. O primeiro reside no fato de que o valor pago pelo título cedido ao FIDC-NP, não foi oportunizado ao produtor rural em equivalência de condições e o segundo reside nas circunstâncias de aquisição desses títulos, pois, como sabemos, a liquidação de recursos financeiros originários de fundos constitucionais, depende do regramento instituído pela política social para a sua liquidação.

Sabidamente, o deságio concedido aos FIDC-NP foi mais benéfico do que aquele que era oferecido ao produtor rural, já que a sua liquidação junto ao banco originador estava condicionada, impreterivelmente, a seguir as regras de normas de direito público regulador - BACEN. Assim, para os produtores rurais, que vinham buscando a aplicação do direito regulatório, o poço do endividamento ficou mais profundo e assistiram suas operações de crédito rural migrarem para o setor privado especulativo. E, com isso, alimentar com mais avidez as fornalhas dos FIDC-NP.

Entretanto, os FIDC-NP se depararam com um "Distressed Assets" de liquidação mais complexo, pois não se trata de títulos de baixo valor agregado ou de garantia insuficiente, mas, nesse caso, de papéis de alta complexidade de liquidação, de um nicho de mercado mais restrito, um setor da economia relevante e representativo.

De fato, é uma grande corrida dos FIDC-NP, na busca do lucro desses ativos financeiros, porém paira a dúvida se irão conseguir atender aos prazos de liquidação, determinados pelos seus especuladores e pelos seus investidores.

Independentemente dos grandes interesses, que envolvem os FIDC-NP, a matéria, que está sendo posta para apreciação do Poder Judiciário, também encontra um adversário forte e com disposição de não perder o seu patrimônio, que, muitas vezes, foi oriundo do trabalho de gerações. O remédio processual adequado existe e, se aplicado corretamente, poderá determinar a saída do produtor rural do fundo do poço. Da mesma forma, os FIDC-NP parecem ter convicção de sua atuação no Crédito Rural, todavia é notório que os FIDC-NP desconhecem o funcionamento do "sujeito/produtor rural" do "Distressed Assets".